• Louise Bragado
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Vivane Martins, CEO da Falconi (Foto: Divulgação)

Viviane Martins é CEO da Falconi, maior consultoria brasileira de gestão empresarial (Foto: Divulgação)

A engenheira Viviane Martins é CEO da maior consultoria brasileira de gestão empresarial e de pessoas, a Falconi — e também da holding de mesmo nome que integra outros negócios do grupo. A companhia hoje atua em 50 setores em mais de 40 países, e é reconhecida pela agilidade nas operações, potencializadas por inteligência artificial.

PhD em Administração pela PUC-MG, Viviane assumiu em 2018 o comando da empresa, onde ingressou dezoito anos antes como trainee. Com a presidência, também liderou a expansão e a diversificação de negócios da companhia. Hoje o grupo reúne uma dezena de marcas em áreas como desenvolvimento de pessoas, softwares e aplicativos para gestão e investimentos privados.

À frente de um time de 1,2 mil profissionais em quatro continentes, a executiva também é uma liderança de impacto do Pacto Global da ONU no Brasil e promove um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o ODS 8 (que se refere a trabalho decente e crescimento econômico).

A seguir, confira os principais trechos da entrevista concedida à Época NEGÓCIOS:

Época NEGÓCIOS - Sob sua gestão, a Falconi adotou práticas como o "short Friday", em que toda sexta-feira a empresa trabalha apenas até a hora do almoço. A saúde mental vem sendo um tema bastante abordado nos dois últimos dois anos. Na sua opinião, como as companhias brasileiras lidam com o assunto?

Viviane Martins - Ao longo da pandemia, todos nós passamos a nos questionar e a reavaliar a importância da integração vida-trabalho. Dentro da Falconi, isso demandou rever de forma muito profunda e genuína como cuidamos das pessoas. A atenção que damos para a saúde mental mudou de patamar. Acredito que tenha sido a grande mudança na gestão de pessoas desde que assumi a presidência, no fim de 2018. 

De maneira geral, acredito que as empresas estão começando a entender que a saúde mental é indispensável. Nós, as empresas, somos parte do problema. O problema não necessariamente nasce na família da pessoa, muitas vezes nasce no ambiente de trabalho. Então, se a gente é parte do problema, temos que ser parte da solução.

Como as lideranças podem encontrar essas soluções?

Precisamos ter uma visão proativa disso, a saúde mental não pode ser simplesmente delegada ao indivíduo. A empresa precisa entender quais são os fatores que estimulam uma boa saúde mental, qual é o ambiente, a segurança psicológica, a cultura, como é o estilo de liderança que essa pessoa está desenvolvendo, quais desafios e oportunidades são dados a ela para desempenhar seu talento. Você muda a vida das pessoas na medida em que olha as necessidades de maneira integrada. A empresa precisa entender como ela lida e trata as necessidades humanas a nível coletivo.

Qual foi o principal desafio dos clientes da Falconi nesse período de pandemia? 

Isso varia em cada setor, porque atendemos qualquer segmento da economia, tanto público quanto privado. Alguns setores cresceram durante a pandemia e a dor deles era: "Como eu suporto meu crescimento?". Essas empresas expandiram numa velocidade em que as rotinas e os processos não acompanhavam, e a tecnologia foi a primeira chave a ser virada. Por outro lado, alguns setores encolheram, e aí o tipo de ajuda que nos pediram foi diferente, mais na linha: "Me ajude a encolher de forma saudável". Hoje, vejo as empresas já pensando em crescimento a médio prazo e também revendo suas estratégias de transformação digital. 

Para as empresas que iniciaram ou aceleraram a transformação digital na pandemia, o que precisa ser revisto agora?

Várias empresas estão se questionando sobre a eficácia da transformação digital que fizeram. Digo que estamos entrando em uma segunda onda da transformação digital. No início da pandemia, muitas empresas adotaram ferramentas para abrir canais de vendas, por exemplo, ou para suportar algumas integrações necessárias, mas essas transformações digitais não necessariamente se converteram numa mudança de resultado. Particularmente, acredito que pode ter faltado governança digital e alinhamento de objetivos. Alguns refinamentos, em termos de transformação digital, ainda são necessários, e as empresas têm buscado essa melhoria. 

A Falconi é reconhecida pelo uso de inteligência artificial (IA) em sua metodologia. Qual sua percepção sobre a adoção de IA no trabalho de consultoria?

A inteligência artificial dentro de tecnologia é a grande aposta da Falconi. Temos desenvolvido isso internamente, e acredito que vá transformar o trabalho de consultoria profundamente, cada vez mais. Hoje, nós construímos dentro de casa algoritmos que desenvolvemos sob demanda para o cliente e também embarcamos em novos produtos digitais. Enxergamos a inteligência artificial aplicada em dois tipos de soluções: projetos totalmente sob medida e produtos que são mais escaláveis e que também podem ajudar a sustentar os bons resultados dos clientes.

Qual o impacto da IA nas análises?

Eu diria que nós sempre fomos muito facts and figures [fatos e dados], isto é, a análise sempre foi uma grande etapa do nosso trabalho junto com a fase de implementação. Brinco que a gente fazia inteligência analógica desde a nossa origem, e hoje, com as ferramentas que a gente tem, aumentamos esse potencial. Falo não apenas de inteligência artificial, mas de Big Data, da capacidade de processamento de volumes de dados e quantidades variáveis de parâmetros de forma simultânea. Isso levou nossa capacidade analítica para outro patamar.

Então quando falo que "faço inteligência artificial", como negócio continuamos muito analíticos, só que em outro nível, no qual eu consigo gerar muito mais valor para o cliente de uma maneira muito mais rápida. Se há dez anos eu levava quatro meses para desenvolver a fase de análise até chegar nas recomendações, hoje isso pode levar de três a quatro semanas. Além disso, saímos de um nível apenas descritivo para o nível prescritivo.

Vocês percebem maior assertividade nas recomendações?

Muito maior. Hoje eu consigo lidar com um número de variáveis simultaneamente que eu não conseguia antes, na análise tradicional. Além disso, hoje você consegue descobrir e testar hipóteses que não são intuitivas, então o analista tem a seu dispor um ferramental completamente diferente. Quando eu comparo o que nossos times fazem hoje com o que eu fazia quando comecei, é muito diferente em relação às ferramentas e à inteligência artificial. Continuamos sempre tentando gerar um resultado muito pragmático para o cliente. A gente é conhecido por essa boa habilidade de implementação. Somos resolvedores de problemas, e a tecnologia é um vetor para resolvermos esses problemas.

Que tipo de problemas a ciência de dados ajuda a resolver?

A gestão de pessoas é um desafio que muitos clientes nossos estão enfrentando. Recentemente, enfrentaram turnovers [taxa de rotatividade dos funcionários] altos, dificuldades até de recrutar determinados perfis, principalmente os tecnológicos, e de reter esses perfis. A gente vem desenvolvendo essa inteligência que a gente chama de people analytics para ajudar a resolver também esse tipo de problema com a inteligência artificial embarcada, onde as prescrições aumentam muito as chances de retenção e reduzem o turnover de uma maneira mensurável.

Você é uma liderança de impacto do Pacto Global da ONU no Brasil e promove o ODS 8, sobre trabalho decente e crescimento econômico. Qual é a situação do Brasil: estamos mais ou menos avançados em relação a outros países?

No Brasil, em geral, estamos com uma lacuna muito grande frente à meta da Agenda 2030, que é proposta pela ONU. Isso em relação ao ODS 8, mas não difere muito dos outros ODS, com exceção do ODS 4, que é o de energia. A lacuna é gigantesca mesmo quando se compara a demais países da América Latina e América Central - não estou nem falando de países à frente e que são benchmarks em cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Por que essa lacuna? Não há uma preocupação das empresas brasileiras em implementar ações que promovam o trabalho decente?

Quando a gente pensa nos ODS há um paralelo natural com ESG, e aí, sim, há uma sensibilização de grandes empresas para o ESG, especialmente na parte de governança, tema no qual o Brasil tem progredido desde o final da década de 1990, com esforços de diversos organismos, como a própria Bolsa. Mais recentemente, existe um olhar um pouco mais atento para a questão ambiental, que ainda não se transformou em ações tão impactantes, mas começa a ter essa sensibilização.

Já o "social" fica um pouco para trás, e o ODS 8 tem uma relação forte com o social. Então eu vejo que ainda temos uma lacuna grande e essa lacuna grande se agravou durante a pandemia. Desigualdades sociais aumentaram, então por qualquer recorte que a gente olhe não estamos progredindo nesse campo do desenvolvimento social. O que eu acredito muito é na interdependência entre esses ODS. Por exemplo: eu não vou ter um desenvolvimento econômico sustentável se eu não cuidar do meio ambiente. Todos têm que estar muito bem interligados.

Que outras barreiras o Brasil enfrenta para cumprir as metas do ODS 8?

No Brasil, há um ponto importante que é o salário decente, principalmente neste momento em que a inflação voltou a ser significativa. É uma das pautas sobre as quais o Pacto Global vem levantando discussões, bem alinhado com a agenda global. Mas tem algo que me incomoda muito também. Ainda há casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil, você assiste recorrentemente a ações do Ministério do Trabalho e outros órgãos de fiscalização encontrando situações como essa. Isso é inaceitável.

Como brasileira, isso me tira do sério. Para a gente falar de geração de riqueza, aumento de renda per capta, capacidade de investimento das empresas que se converta em melhoria da sociedade, a gente tem que superar essa condição atual. Não dá para conviver com situações análogas ao trabalho escravo que a gente vê todos os dias. Nos últimos 12 meses, mais de mil pessoas foram resgatadas dessa situação. O Brasil não pode aceitar isso, não pode conviver com isso.

Qual é o papel das lideranças para promover condições de trabalho decentes?

Precisamos ter uma cultura empresarial muito pragmática em relação a isso. Encarar que a gente precisa ter metas, ter isso entranhando na estratégia e no modelo de negócios, se não vai ficar designado para uma área cuidar e não vai funcionar. Tem que permear o negócio todo. E não pode ficar apenas em ações isoladas, você tem que  fazer isso ser parte da gestão, parte da governança e parte da gestão de pessoas. Em resumo: é preciso entranhar ações na estratégia, no modelo de negócios, nas metas e nos projetos para que produzam resultados concretos. Se não, fica no campo das intenções.

Quais são as principais tendências para o futuro do trabalho?

O Fórum Econômico Mundial lista todos os anos um ranking de habilidades para o futuro. Se você fizer uma pesquisa dos últimos cinco anos, vai ver que algumas dessas características figuram sempre no top 10. Eu destacaria três: a capacidade de resolver problemas, a capacidade das pessoas se relacionarem e a capacidade das pessoas de serem criativas e inovarem. Para mim, isso será determinante porque se traduz em adaptabilidade. Hoje, os problemas não são tão conhecidos como eram há dez ou vinte anos. Os problemas são novos, e eles são dinãmicos. Cada profissional precisa ter a capacidade de aprender e desaprender. Costumo dizer que não estamos na era do conhecimento, estamos na era do aprendizado. 

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